O mal se tornou o pior e o pior tornou-se o inferno. Não havia mais vida para ele, apenas não havia. Perdera o pouco que tinha e num ato de puro desespero, subiu as escadas do seu apartamento, que nem seu era mais. Chegou ao topo e logo foi se preparar para pular, um pulo de misericórdia para que sua vida fosse levada rapidamente.
O acidente de carro apareceu em todos os jornais no dia anterior, ele foi alegado culpado pela morte de sua esposa e filha, injustamente. Agüentou apenas um dia trancado no apartamento, eram muitos acontecimentos, muitos gritos, muita dor para uma alma.
O fim era evidente. Ele escolheu um lado menos movimentado do prédio para saltar, a imprensa estava aflita na frente do apartamento tentando retirar cada gota de sangue do seu sofrimento para estampar em suas capas e telejornais. Fechou os olhos e deixou a gravidade fazer o trabalho, seu corpo caiu numa velocidade assustadora e ele viu um brilho de luz no fim do túnel, ele assistiu em câmera lenta uma pena tocar o chão antes dele e quando ele estava para ir de encontro com a morte, uma figura rápida o salvou, agarrando-o pela camisa e o levando para cima, sempre para cima. As asas que ela tinha eram tão magníficas.
O sol, magnífico em um dia de praia, agora estava sendo a minha cruz. Caminhando no deserto, perdi a noção do tempo, perdi a noção de quando havia me perdido, perdi a noção de quem eu era. Antonio? Acho que minha mãe me chamava disso, ou era esse o nome do vizinho?
O cavalo havia ficado para trás, livre para morrer ou tentar lutar pelo resto de vitalidade que o seu corpo permitia ter. Deixei-o depois do quarto o quinto cacto que eu havia visto e ele correu, sem a sela, sem água, sem nome.
Fé: seria isso que me levava para frente? Minha pele parecia entrar em ebulição nas partes sem pano para cobrir. Cai de joelhos, não agüentava nem mais um segundo no inferno de areia, coloquei as mãos na cabeça e rezei.
Abri um olho, havia algo estranho, um barulho se aproximando de mim. Era o cavalo, e nele havia alguém. Anjos te carregam para o céu de cavalo? Era uma mulher, loira, nua. Ela se aproximou e me ofereceu água, me levantou, tirou o panos do meu rosto e me proporcionou a visão dos seus olhos. Luana podia não ser o nome dela, mas, absolutamente era o nome mais puro para minha salvadora. Abracei-a e senti o calor de seu corpo. Beijei-a e senti o sabor da areia do deserto. Morri iludido, caído ao chão, coberto de areia.
Quando ele a avistou, foi tarde demais, já havia se apaixonado. Ela possuía o par de pernas mais lindo do recinto e estava saindo do cinema para voltar ao shopping. Quem era aquela mulher que abalou com seu mundo? Tentou uma aproximação rápida, escutou uma amiga chamando-a pelo nome. Lady, foi tudo que ele escutou. Seria um apelido? Ele começou a se achar meio suspeito, devido à aproximação, devido ao fato de não tirar os olhos das pernas dela. Ela sorriu para a amiga no exato momento que ele desviou um olhar para seu rosto, o pequeno contato que tiveram fez com que ela ficasse corada de leve, ele desviou o olhar outra vez, para longe.
Uma semana depois e nenhum encontro com a Lady, ele começou a achar que havia sonhado com o pequeno encontro que tiveram. Como o destino poderia ser tão cruel a ponto de esconder tamanha beleza por mais dezoito anos? Ele estava certo que mulher igual aquela jamais ia encontrar.
Na segunda semana, ele resolveu usar o dinheiro que juntava para seu carro, tinha pouco, mas o suficiente para ir ao cinema e pegar uma maratona de filmes estrangeiros, o suficiente para lhe dar outra chance de vê-la. Pegou o ingresso e ao chegar à fila, lá estava ela. Ou seria apenas um anjo que estava tirando uma folga da escala celeste? Tentou um contato casual e logo ambos estavam a comentar seus filmes favoritos. Ela sentou ao lado dele na ultima fileira, o filme passou, mas eles ficaram conversando. Ele descobriu que ela era um anjo, perfeita em todos os sentidos. Trocaram um beijo, e o filme acabou. Ela levantou na frente e ele foi seguindo a multidão, ao chegar à saída do cinema, ele notou que haviam se desencontrado.
Ele largou seu emprego, começou a trabalhar próximo ao cinema, em qualquer atividade que não lhe tomasse tanto o tempo. Usava seu dinheiro que sobrava das contas para ir lá, no escuro do cinema ver se a encontrava. Teria sido um sonho ?
Andando na rua, no meio de uma multidão ele trombou nela e ambos trocaram olhares, trocaram um momento. Mal sabia ele que era Raquel, antigo amor, que estava saindo às pressas do escritório de contabilidade para uma pequena pausa do almoço. Ela sorriu ao desviar o rosto do “desconhecido” e seguiu em frente com seu pensamento. Ele parou por um momento e tentou buscar na memória vestígios de recordações, já não lembrava mais dela, ficaram tanto tempo sem trocar palavras de amor. Raquel parou em uma lanchonete para comer qualquer coisa do cardápio que fosse rápida o suficiente para sua digestão e para o seu tempo burocrático, não saboreou a comida, não viu o sol que se escondia atrás dos edifícios, não olhou no rosto de mais nenhuma pessoa que passava pela rua do centro da cidade. Ele não dormiu naquela noite, revistou sua casa a procura de pistas da misteriosa mulher, e quando já estava para largar de mão, olhou sua caixa de e-mails, voltou algumas paginas para recapitular a historia e lá estava, leu cinco ou seis e-mails dela e a historia que havia ocorrido há tanto tempo agora estava fresca em sua memória, decidiu ir amanhã atrás dela. Ela acabou o serviço do dia, tomou o elevador sozinha, saiu do prédio, não notou que a lua estava céu, não notou que seu celular havia ficado em cima de sua mesa no escritório, não notou que o ônibus vinha em alta velocidade, quando ela estava atravessando a rua.
Era outro dia, o sol ainda se escondia atrás dos edifícios, as pessoas na rua eram as mesmas. Ele procurou sua Raquel no horário de almoço, talvez ele tivesse achado ela na capa do jornal, com fotos do acidente. Desistiu da procura, ao menos por hoje, comeu algo mais leve, era seu turno duplo. Pegou seu jaleco assim que entrou na ala hospitalar, passou pela sala de diagnostico, estava lotada outra vez. Seu celular tocou, precisavam de sua assistência em um caso de atropelamento, precisavam de sangue para doar para a vitima. Quando chegou à sala de cirurgia, lá estava ela, deita e imóvel, A vida dela estava nas mãos dele.
Levantei-me e sai de casa, estava perto dos campos passando as férias com a família, não havia aquecimento global, não havia criminalidade. Andei até chegar perto dos meus filhos que estavam brincando próximo ao lago e logo fui sentando junto a eles, o tempo não podia estar mais perfeito, sorri ao pensar que meus filhos não teriam que se preocupar tanto com o futuro, agora que os tempos escuros haviam passado e a população finalmente havia encontrado a paz. Abri a boca para chamar minha esposa quando ouvi o chamado... - Corta – disse o diretor. Os atores se levantaram e saíram de cena, as crianças foram pegar algum chocolate na mesa de doces, o diretor criticou o mau posicionamento do pessoal enquanto grande parte das pessoas que estavam no set saiu pela porta dos fundos para fumar um cigarro e relaxar.
Juliana dormiu um sono único, deitada no sofá e a tv ligada falando para as paredes da sala. Ela sonhou, viu uma planície de grama rasteira, viu arvores de alto porte ao fundo, um pouco antes da montanha. O céu parecia um quadro borrado de tintas azul e branco, ainda fresco. Juliana não era uma menina de fé, mas aquilo ali absolutamente era parecido com o paraíso. Ela andou, andou sem sentir o peso do corpo em seus pés, como se a terra deixasse suas pernas livres, quase voando. Aproximou-se de uma árvore com ganhos fortes e exuberantes. Observou um menino, julgou que ele tinha sua idade, ele estava sentado no balanço que estava apoiado na arvore. Era Bruno, ela sabia que era ele. Como podia ser? Bruno havia deixado de viver quando um câncer obrigou o pobre menino a desencarnar. Juliana chegou por trás e deu um leve empurrão nas costas de Bruno, que foi balançado pelo elástico que estava sentado. Ela empurrou mais uma vez, e mais uma, empurrou até o sol cruzar o céu e começar a se esconder atrás da montanha. Juliana se lembrou de um dia de verão que havia passado com o seu amigo há muito tempo e chorou duas ou três lagrimas de saudade, uma saudade misturada com a felicidade de poder ter esse momento outra vez. Juliana agradeceu aos céus, agradeceu a quem quer que esteja lá em cima. Bruno aproximou-se e abraçou-a com força, deixando os braços apertarem as costas de sua amada. Juliana nunca mais acordou.
O projétil tinha sido atirado do revolver, o tempo já estava correndo... Talvez tudo estivesse em seu devido lugar, menos eu. Parado no meio da rua, vi ela, a bala, a assassina de metal, ela veio até mim precisamente, tão rápida quanto um trovão ligando o céu nebuloso à terra. Acho que ela esqueceu-se de uma apresentação cortes, não devia ter modo, chegou até o meu peito e rasgou minha blusa num simples buraco arredondado... Perfurou meu coração. Por um segundo conseguir ver minha assassina, por um segundo, conseguir ver a rua, o dia, o sol... Permiti um ultimo sorriso e logo me abracei ao metal em meu coração, a bala perfurou meu peito e a cidade, que parecia ter parado comigo, continuou com o seu caos diário.